quarta-feira, 14 de abril de 2010

Barroso / Volkan Demirel



Há coisas que se fazem com a consciência que isso que se faz nos torna dúbios, falhos, malogrados, frustrados, alienados, o que seja. Não é o caso do futebol. Eu gosto de futebol por variadíssimas razões, de entre as quais a beleza do jogo não é, certamente, a mais forte. Em primeiro lugar, se não houvesse clubes contra os quais pudéssemos descarregar todas as nossas frustrações e os nossos ódios bacocos, o futebol não se tinha transformado na poderosa indústria que efectivamente é na actualidade. Em segundo lugar, o futebol ainda é - para além dos impulsos sexuais e dos momentos íntimos na casa de banho – aquilo que nos arroja contra o chão, aquilo que mais intensamente nos recorda a nossa vil condição terrestre. Num mundo de luvas brancas, batas, laboratórios e encerramento nervoso das tascas, ainda há quem assuma, sem assombros, a sua condição animalesca. O futebol torna-nos mesquinhos, irritadiços, invejosos, rústicos, revanchistas, impetuosos, crianças; o futebol torna-nos nisso tudo que somos em circunstâncias muito diferentes. Mas nada é assim tão diferente do futebol. Tenhamos, como exemplo, o mundo académico. Também aí há intrigas, egos feridos, grupos, tendências, vacas sagradas, estratégias de marketing; também aí as pessoas marcam golos e sofrem frangos, magoam os outros, humilham o adversário, expõem as suas fraquezas; também aí se classifica, se desce de divisão, se glorifica e se fazem prognósticos. Pois bem, mas o que distingue o futebol de todas as conveniências dos jogos sociais são homens que não se inibem de justificar as más exibições com diarreias de última hora.

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