terça-feira, 12 de julho de 2011
Kevin Kline / Brady Barr
Diz-se que o poder é afrodisíaco; o substantivo mais do que o verbo, pois é provável que o querer seja mais afrodisíaco do que o poder. Mas o poder não é apenas a segurança do púlpito e do escritório no último andar de um fálico Empire State Bulding. O poder é também o risco de sucumbir, de pagar a arrogância com a própria vida, se necessário for. No que nos respeita, havemos de invejar - ao jeito do pecado mortal - todos aqueles cuja profissão lhes basta para incitar e excitar a curiosidade das mulheres. Como hipótese limite, havemos mesmo de invejar todos aqueles que simplesmente são felizes. Adiante. Os actores não necessitarão de se revelar como tais. Se o são bem se poderão escusar ao esclarecimento, dado que as redundâncias se assinalam, sobretudo, pela sua esterilidade. Com que soberba e emproamento não o comunicarão os biólogos, sobretudo aqueles cujo objecto de estudo são os animais selvagens e perigosos?
- Eu sou biólogo…
- Ah sim? E qual é a sua área de investigação?
- Os tubarões-tigre…
- Mas isso deve ser perigosíssimo…
- Tem os seus dias…
Sempre com reticências, evidentemente. Todas as respostas reticentes são afrodisíacas. E não o são apenas por manterem as coisas em aberto. Elas resistem às qualificações definitivas e, sobretudo, prometem. Mas o que prometem não é um mundo à la Lady Gaga, onde as pessoas são livres, felizes, e onde não há sombra nem recôndito onde se escondam as perversidades e as patologias modernas; é a promessa de um “já te conto” manhoso; um conto que se conta sempre de outra forma. Um conto que desvenda e oculta. Como se o biólogo especialista em crocodilos carregasse, de alguma forma, fosse ela qual fosse, o toque do casaco da personagem de Nicolas Cage no filme de David Lynch Coração Selvagem, possivelmente o seu filme mais afrodisíaco.
- Sou biólogo…
- Ah sim? E qual é a sua área de investigação?
- Crocodilos…
- Que interessante! Mas isso deve ser perigosíssimo…
- Há animais bem mais perigosos…
- Hum… Fale-me um pouco mais disso…
E o resto, já se sabe, é conversa.
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