quinta-feira, 14 de julho de 2011
Agostinho da Silva / Max Von Sydow
Alguém, um dia, – um sujeito que resolveu irritar um filósofo com as interrupções maquinais de uma câmara de filmar manhosa – perguntou ao Agostinho da Silva o que pensava da morte. Respondeu o filósofo que da morte nada sabia, e o caso dava-se por uma razão muito simples: ainda não morrera para o saber; que o deixassem morrer primeiro e ele, logo depois, se pudesse, viria cá baixo informar os mais curiosos. Ao Derrida perguntaram-lhe – também diante das câmaras, vá-se lá saber a importância deste denominador comum – o que pensava ele do amor. O francês não pediu que lhe deixassem experimentar a coisa; exigiu que lhe colocassem uma pergunta mais recta e objectiva, criticando esse costume muito americano de se falar por tópicos. Diga-me lá qualquer coisa sobre a morte, depois o amor, agora a felicidade e a seguir a angústia.
Lembrar-se-ão do filme «O Sétimo Selo», de Ingmar Bergman, em que a personagem de Max Von Sydow jogava xadrez com a morte. Nada obsta a que um sueco se lembre de pôr um cavaleiro medieval a jogar com a morte um jogo que é mais tiro e queda do que as cantigas do Vitinho. Os nórdicos são muito destas elucubrações, desta prestidigitação indolente e sonolenta, própria dos existencialismos de Kierkegaard. Nada a opor. Se falamos da morte, a melhor forma de falar dela é mesmo ter vontade de morrer, se possível morrer, e depois voltar, como pretendia o Agostinho da Silva, que entretanto não voltou e parece-me que apenas porque, das duas uma, ou não há vida para além da morte, ou o pessoal do além é fuinha o suficiente para impedir o homem de vir por aí abaixo. Uns desmancha-prazeres; ou empata-fodas, para ser mais prosaico. São como aquelas pessoas que usam o Facebook só para nos declarar a sua inefável felicidade; uma fotografia de um pôr-do-sol e a legenda inevitável: “Hoje esteve um lindo dia de praia!”. Desconheço o que pensará o caríssimo leitor destas pessoas. Eu cá acho que deviam morrer. Se a corja lá do alto anda a impedir os bons de virem cá baixo porem-nos bem-dispostos, todos estes que não nos deixam fruir do luto das nossas vidas mesquinhas podiam ir-lhes fazer companhia.
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