sábado, 10 de novembro de 2012

Mark Wahlberg/John Cena



 

 

Disse Lobo Antunes, numa qualquer entrevista, que um homem começa a pensar na sua finitude no momento em que assume a responsabilidade de atender o telefone ou a porta, isto é, quando o pai, morrendo, depõe, no filho, para além dos bens materiais, a herança da mortalidade. Uma espécie de passagem de testemunho, entenda-se: “Agora atendes o telefone. És o homem da casa. És mortal!”.
Num determinado sentido, a possibilidade da morte é um “faz-te um homem!”, por oposição à ingenuidade dos sonhos da juventude; sonhos de imortalidade, de infindos projectos e de possibilidades ilimitadas. A única impossibilidade é mesmo a da morte.
A juventude é marcada tanto pela força dos ideais como pela inconsciência – mais ou menos justificada – da sua finitude. É talvez por esse motivo que Bernard Shaw dizia que a juventude é desperdiçada nos jovens; talvez porque a sua vitalidade provém da ilusão da imortalidade quando é a consciência do fim e dos limites o motor de todo o movimento criativo.
Serve isto para dizer que é possível que a imaginação e a criação tomem impulso no medo.  No filme Madadayo, de Akira Kurosawa, explica um mestre aos seus alunos que o medo é um efeito próprio da imaginação. Porque é que, sendo adulto, se tem medo do escuro? Porque aquele que se põe a adivinhar o que está no meio das sombras tem medo, criando entidades que não existem senão no fulgor do seu poder criativo. Diríamos, portanto, que a imaginação é proporcional ao medo. Torna-se compreensível, por conseguinete, a imperativa introdutória de Altur Albarrán: “Tenha medo! Tenha muito medo!” aos seus vídeos sem-sentido e desprovidos de interesse, isto é, “Eu sei que isto é uma seca e que não acrescenta nada à sua vida, mas faça lá o favor de se deixar levar pela imaginação.”.
Dou por concluído este exercício pseudo-filosófico com o último filme de Mark Wahlberg. Em Ted,  a personagem do actor americano vive amedrontada com trovões, na presença dos quais se abraça ao seu ursinho falante para executarem um ritual infanto-pornográfico através de uma cantiga criptobuéréré. Este medo irracional e primitivo dos trovões – diríamos, neste caso, próprio da juventude – termina no preciso momento em que John Bennett e Ted se afastam, isto é, quando aquele deixa de ser uma criança dependente do seu urso de peluche para, eventualmente, se transformar num homem.
Como podem constatar através deste exercício manhoso de semiótica, o processo inverte-se: o adulto é aquele que, perdendo o medo, perde a imaginação, faz-se homem, torna-se consciente da sua finitude e, enfim, autoriza um género de contraversão do aforismo de Shaw. O que parece manter-se, contudo, é a associação do medo a um poder imaginativo. Enquanto se tem medo, a vitalidade criativa floresce e permanece. Ela finda quando o homem se torna num João Sem Medo, sem capacidade de ver para além do visível. É por isso que há pessoas que não entendem ou sequer sentem a arte ou o desporto. Não vêem senão uma mulher a ter um ataque epiléptico nas danças contemporâneas ou um homem a correr atrás de uma bola num campo de futebol. Vêem apenas o visível. Para se gostar de Wrestling não é necessário senão isto: ter medo, ter muito medo!