quinta-feira, 1 de março de 2012

Jeffrey Tambor / Dr. Phil




É curioso constatar – eu, pelo menos, assim o julgo – como os médicos se tornaram nos padres da modernidade. A imaculabilidade da bata substituiu a dignidade da batina, e os conselhos medievais sobre os cuidados a ter com a alma – cuidados esses que, sem dúvida, pressupunham outros tantos cuidados com o corpo – deram lugar a mil exortações tendo em vista a perfectibilidade do corpo – o que subentende, naturalmente, um sem-número de admoestações atinentes à modelar condução da alma. Há uns tempos submeti-me à imprudência de uma consulta médica e deparei-me com a seguinte questão avançada pelo «profissional de saúde»: “O senhor anda na má vida?”.
Os exames médicos são sempre indiscretos e levianamente impertinentes. Os aparelhos que nos descem pela garganta ou que nos sobem pelo cú são sempre precedidos de mil inquirições sobre as nossas vidas, os nossos vícios, as nossas namoradas ou namorados, os nossos horários, a nossa profissão, o nosso ócio, as nossas pequenas e grandes dores, os nossos hábitos mais íntimos e as nossas partes mais recônditas. Quantas vezes defecamos, quantas vezes urinamos, se temos ou não muitas parceiras sexuais – seja lá o que for para o médico o conceito de “muitas”, que eu temo que seja, de facto, demasiado ambicioso para o meu curto entendimento. E a reverência com que encaramos os médicos, a solicitude com que aceitamos, sem mácula ou sombra de hesitação, todas as suas recomendações enquanto ele nos enfia o grosso indicador pelo reto, apenas é comparável à antiga beatitude dos acólitos da igreja que foram todos os nossos avós para com os padres e diáconos da santa madre católica, apostólica romana. Ninguém ousa desafiar a autoridade medical e a ideologia clínica exalando o odor do formol. Eu próprio, diante da pergunta do médico, apenas consegui balbuciar um tímido: “Como? Não percebi…” quando, na verdade, a minha mente ou alma – chamem-lhe o que quiserem – devolvia o eco de um profundo e cavado: “Na má vida? Quem me dera!”. Trouxesse-me ela a morte!