quarta-feira, 22 de junho de 2011

Ana Gomes / Dona Júlia




Escreveu Francis Bacon qualquer coisa como isto (vou fingir que cito de memória): O espírito humano é naturalmente levado a supor que há nas coisas mais ordem e semelhança do que as que realmente nelas encontra; e, posto que a Natureza esteja cheia de excepções e de diferenças, por toda a parte o espírito vê harmonia, acordo e similitude. Daí a ilusão de que todos os corpos celestes descrevem, ao mover-se, círculos perfeitos. A estas ilusões chamava-lhes Francis Bacon Ídolos da Tribo.
Já tivemos oportunidade de o dizer: a semelhança não exige uma correspondência de grau ou uma ausência de desnível. Supomos que poderíamos encontrar dois seres semelhantes na história do feio e na história do belo. Se tratássemos, neste espaço, de questões importantes, sem dúvida que a indispensabilidade da semelhança suscitaria reflexões de carácter epistemológico. Talvez chegássemos à conclusão que somos mais clássicos do que modernos; e a verdade é que não o concluiríamos sem grande pesar. Enfim, conversa para outros blogs. No que nos diz respeito, estaremos mais próximos da bijuteria ruidosa da dona Júlia do que do clangor neurasténico da Ana Gomes, e o Portas que o diga. No fundo, trata-se sempre do mesmo princípio, embora, talvez, quem sabe (?), com cambiantes diferentes (mas, afinal, quão diferentes?). Imaginar a dona Júlia a falar de escândalos sexuais, a piscar o olho às invectivas sub-reptícias a Portas e a Coissoró, e a advogar, pasme-se, a doutrina moral burguesa, não será um exercício tão difícil quanto isso. Convenhamos, contudo, que dizer o que quer que seja em Estrasburgo traz uma finesse que Carnaxide não pode dar, muito embora por lá passe a fina-flor da sociedade portuguesa para aferir a quem pertence a vitória deste ou daquele debate. Continuamos com os desníveis, evidentemente; mas eles não se furtam à semelhança. Ou então estamos condenados pelos Ídolos da Tribo. Não obstante, a nossa semelhança não é da ordem. É sempre a semelhança da desordem, o ténue desnível do caos. A roncaria da Júlia pode ser diferente dessoutra da Ana, mas elas guardam um fundo de semelhança; e é no fundo que as coisas sempre começam.